domingo, 16 de março de 2014

Garota sozinha procura

Não tinha como ignorar a moça que batia ponto todo dia no estabelecimento.

Ele era um péssimo fisionomista, sempre o fora, e provavelmente sempre o seria. O que podia ser um problema para alguém que exercia aquele tipo de profissão, que dependia da extrema atenção para cativar a clientela. Mas, como ele adorava insistir, havia outros "atributos" que o tornavam competente, e por ora isso lhe era o bastante.

No começo ela só aparecia lá alguns escassos minutos por dia, para uma rapidinha. Ele não lhe dava muita atenção: ele tinha lá a sua freguesia exigente para satisfazer, cada qual com um gosto próprio e peculiar nos sentidos mais únicos.

Ah, o nome?

Não, não, ele não sabia o nome dela. E como dizia o famoso bardo: "o que chamamos rosa com outro nome não teria igual perfume?" 

Ok, talvez ele estivesse ficando um pouco meloso e enamorado demais, mas era preciso ser uma pessoa passional para trabalhar naquele ramo, ou de outro modo não sobreviveria. Quer dizer, claro que sobreviveria, mas acabaria se sentindo mais um objeto, assim como tudo à sua volta.

E sim, ele admitia ser um bocado dramático.

Mas voltemos a "ela".

O que começou com visitas esporádicas ao estabelecimento - que ele não sabia determinar ao certo quando começaram - acabou se tornando uma rotina consistente e impossível de ser ignorada. Mais uma viciada, tsk! Ele queria dizer que era algo romântico e puro, mas do Romantismo a única coisa que havia ali era a apreciação (dizem!) por conteúdos que faziam esquecer a realidade. Ele era um rapaz passional, sim senhor, mas não gostava daquela patifaria de usar subterfúgios para se alienar. Preferia mais os dramas reais do que as irrealidades românticas.

Mas estava sendo duro demais com a pobre mocinha: vai saber que tipo de carências ela tinha, não é? Cada qual com seu cada qual, como o falecido avô sempre recitava.

Como já dito, ele era péssimo fisionomista. Não se lembrava se era morena ou ruiva, a cor dos olhos, nem nada fisicamente marcante. Era como se fosse uma entidade, sem rosto, apenas uma presença constante e silenciosa, sem laços que a prendessem a nada. Contudo, ele era bom em definir personalidades através de pequenas pistas. E também tinha um certo faro sherlockiano (amador e rústico, meu caro Watson!) que contribuía para o seu hobby favorito. Ele queria... ou melhor, ele precisava entender o que levava aquela moça a tal antro, todos os dias, se era romance ou aventura, se almejava um sentido filosófico ou místico, sempre buscando algo que provavelmente nem ela mesma sabia o que era.

Ela saía sempre com um novo amante e, por pouco tempo, isso lhe bastava. Entretanto, ainda não era o Escolhido, aquele que teria um lugar cativo em seu quarto e em sua vida. E em breve retornava ao estabelecimento, olhos brilhantes e respiração suspensa, talvez achando que naquele dia seria capaz de encontrar algo que a enamorasse por um período mais longo que alguns poucos dias. 

Depois de semanas de observação cuidadosa ele ainda não sabia como a conquistaria. Ela flertava com tudo o que seus olhos capturavam, tocava e sentia o aspecto físico de seus amados através de carícias dissimuladas, mas não ia além. Não tinha pressa. Era como um peregrino que vagueia durante anos em busca do seu Graal, sem se importar com a demora - a jornada em si era o que importava.

Um dia teria a sua estória, o seu romance ideal. Um dia teria algo que finalmente marcaria e acompanharia a sua vida para sempre. 

Porque ela simplesmente não se importava por amar o ficcional.


(escrito inicialmente em 18/08/2011 e reescrito um bocado de vezes. e que só está sendo publicado por causa da betagem pontual da Dani, que deu uma melhorada significativa no texto.)

Nenhum comentário: